Apublicação "Negócios de Impacto Socioambiental no Brasil: como empreender, financiar e apoiar" tem como autores, além dos organizadores, mais vinte e três expoentes em suas áreas e atuação no campo de negócios e investimentos de impacto como professores, investidores, executivos de empresas e de aceleradoras, empreendedores sociais, especialistas em sustentabilidade, entre outros.
O livro foi editado pela FGV -Fundação Getúlio Vargas- e apoiado pelo ICE -Instituto de Cidadania Empresarial (www.ice.org.br)- como parte das celebrações de seus 20 anos de fundação. Desde 2012 o ICE vem se dedicando a fortalecer o ecossistema de negócios de impacto no Brasil, articulando os empreendedores de impacto e executivos de grandes empresas, aceleradoras, incubadoras, investidores, gestores públicos e acadêmicos. Estes últimos reunidos pelo ICE em um de seus programas: a rede Academia ICE. Esta rede reúne cerca de 150 professores de ensino superior de 70 diferentes instituições de ensino superior privadas, públicas e comunitárias em 21 diferentes estados brasileiros, tendo estes professores ministrado a temática para cerca de 5 mil estudantes de ensino superior no país. Entre as atividades deste programa, estão encontros de atualização, jornadas formativas, apoio à pesquisa, reconhecimento de boas práticas e premiação de trabalhos acadêmicos, como algumas de suas frentes de atuação. O livro se insere neste contexto.
Os negócios de impacto são criados a partir de modelos de negócios inovadores que, ao contrário dos negócios, digamos, tradicionais, têm propósitos, ou seja, nascem para equacionar, solucionar, colaborar com a melhoria dos principais problemas contemporâneos, quais sejam: problemas ambientais e sociais. Por este motivo, o livro é extremamente interessante para professores envolvidos ou interessados em negócios como solução dos problemas socioambientais, em modelos inovadores de monetização destes serviços e produtos, mas também para estudantes (sobretudo de administração, engenharias e economia, mas não só) e outros interessados em empreender socioambientalmente.
O livro contém 16 capítulos, divididos em 5 riquíssimas partes que oferecem relatos e análises que são resultado da atuação direta em negócios de impacto, aceleradoras e incubadoras, fundos de investimento, na pesquisa e docência sobre inovação social e empreendedorismo e em organizações que apoiam o desenvolvimento do campo no Brasil.
Já na introdução, feita pelos organizadores, está explícito o objetivo, sem desconsiderar que o conceito está em construção e que possui enormes desafios:
nosso objetivo é dar foco e luz aos negócios de impacto, que nos últimos anos proliferaram no Brasil e no mundo. Basicamente, são negócios que almejam ao mesmo tempo um impacto socioambiental positivo e retornos financeiros. Sua conceituação não é precisa e vários termos são usados para denominar esse tipo de organização: negócios sociais, negócios inclusivos, organizações híbridas, setor 2,5. Dependendo do interlocutor, uma denominação diferente pode ser usada, às vezes com significados um pouco distintos (...). Não buscamos aqui dar significado único aos negócios de impacto, muito menos defini-los como grande tendência para a busca de capitalismo com mais propósito. Mas queremos ilustrar que esse movimento tem sua relevância em um contexto mais amplo de mudança de mindset de uma geração que quer ir além dos ganhos financeiros, pois a lógica anterior gerou (e continua gerando) a crise ambiental e todas as desigualdades sociais bem conhecidas (Barki, Comini, Torres 2019, 12-13).
O conteúdo traz muitas informações e reflexões para quem deseja conhecer o ecossistema de negócios de impacto no Brasil-e/ou se inspirar nele.
A primeira parte "Negócios de Impacto", traz o surgimento dos negócios de impacto em perspectiva histórica; debate o ecossistema destes negócios e os investimentos com atenção especial às 15 recomendações da brasileira Aliança pelo Impacto que, em mobilização nacional e articulação global, primeiro sistematizou as necessidades para o crescimento e bom funcionamento do ecossistema de apoio a esses negócios; e reflete sobre o papel "dos governos", no plural, iluminando o tamanho, as diferenças, os diferentes desafios e as variadas instâncias de governo de um país do tamanho e da diversidade do Brasil, mapeando os diferentes papéis desejáveis dos diferentes governos. Ilumina ainda a ENIMPACTO-Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto, política pública do governo federal, explicando a estrutura do ecossistema e seus pontos de alavancagem.
Esta primeira parte é composta por três capítulos: Capítulo 1-Capita-lismo movido por propósito, de Stuart Hart, uma referência na área de sustentabilidade e base da pirâmide; Capítulo 2-O ecossistema de fomento aos investimentos e negócios de impacto: rompendo fronteiras, de coautoria de Célia Cruz, Diogo Quitério e Beto Scretas, todos do ICE; e o Capítulo 3-Re-flexões sobre o papel dos governos no campo dos negócios de impacto, de autoria de Fernando Burgos, da Fundação Getúlio Vargas.
A segunda parte do livro, "Começando um Negócio de Impacto", inverte a perspectiva do olhar e constrói-se desde o ponto de vista do empreendedor. Interessante ressaltar que a perspectiva vai além das "tradicionais" econômica e/ou psicológica trazendo inclusive uma categorização de empreendedores diferenciada das que estamos acostumados e assim contribuindo com muita lucidez para o debate. Ao invés do surrado empreendedor por oportunidade ou do empreendedor por necessidade, porque não vislumbrarmos a questão a partir outras categorizações, por exemplo, empreendedor próspero e/ou empreendedor sobrevivente? E mais ainda, o convite a refletir nos leva a aprofundar e a vislumbrar melhor o viés social da temática. Aliás, a motivação de um interesse social no empreendedorismo, a importância da jornada interior na maturidade dos negócios e seus princípios norteadores. A modelagem da mudança na busca de seu negócio impactar seu entorno, sua realidade. Enfim, ver girafas do alto e por dentro e ainda manter-se de pé ...
Ela é composta por: Capítulo 4-A jornada interna dos empreendedores sociais, escrito por Ilaina Rabbat, do Instituto Amani; Capítulo 5-Como ficar de pé, de autoria de Maure Pessanha, da aceleradora Artemisia e Capítulo 6-Encontrando um modelo de negócio e uma teoria da mudança, de coauto-ria de Marco Gorini e Haroldo da Gama Torres, ambos da Din4mo, venture builder focada em negócios de impacto.
A terceira parte do livro, "Dando sustentabilidade ao negócio de impacto", está focado no desenvolvimento do negócio depois de passada a fase inicial da criação. Debate com profundidade a política de relacionamentos com todos os stakeholders como um tema essencial neste campo, questionando a lógica usual sobre estratégias no campo da administração que pautam os relacionamentos pelo mercado e concorrência, ou seja, como forma de garantir vantagens competitivas ou criação de vantagens temporárias, afirmando que esta lógica empobreceria a proposta de valor, principal diferencial dos negócios de impacto; discute ainda as formas por meio das quais os negócios de impacto podem vender mais em busca de sustentabilidade financeira; e apresenta as principais formas e fontes de financiamento destes negócios em função das diversas fases em que se encontram.
Esta parte da publicação é composta, também, de três capítulos: Capítulo 7-Entendendo o contexto: relação com diferentes stakeholders (governo, grandes corporações e comunidades), de autoria de Marcelo Z. Coelho, co-fundador de um bem sucedido negócio de impacto na área de habitação, o Programa Vivenda; Capítulo 8-Vendendo a verdade, de autoria de Marcelo Nakagawa, professor do Insper; e Capítulo 9-Buscando recursos financeiros, coautoria de Gilberto Ribeiro de Oliveira Filho, professor de investimentos de impacto em diversas escolas de negócios do Brasil e exterior e seu sócio na Vox Capital, Daniel Izzo.
A quarta parte do livro, "Os desafios do impacto social", aborda as soluções estratégicas já criadas pelos negócios de impacto brasileiros; os desafios e dificuldades inerentes em manter sustentabilidade financeira neste tipo de negócio e traz um capítulo exclusivamente dedicado aos negócios com impacto ambiental, revelando tendências e oportunidades neste campo, além dos desafios da cadeia de valor; e a avaliação de impacto social, tão fundamental na caracterização destes negócios focados em impacto e nas requeridas transparência e prestação de contas, tão caras ao campo.
Esta parte do livro é composta de 5 capítulos: Capítulo 10-Inovações socioambientais: uma análise de soluções e estratégias criadas por negócios de impacto no Brasil, cujas coautoras são Graziella Comini, professora da Universidade de São Paulo e uma das organizadoras do livro; Talita Rosolen, professora no SENAC e Rosa Maria Fischer, também professora da Universidade de São Paulo; Capítulo 11-Sustentabilidade financeira em empresas de impacto, de autoria de Paulo Bellotti, da MOV investimentos; Capítulo 12-Negócios com impacto ambiental, de Fernando Campos, da Fundação Boticário e Graziella Comini; Capítulo 13-Negócios de impacto: desafios para o desenvolvimento de cadeias de valor, de coautoria da professora da Universidade de São Paulo, Sylmara Lopes e o professor Marcus Nakagawa, da Escola Superior de Propaganda e Marketing; e o Capítulo 14-Avaliação de Impacto Social, escrito por Edgard Barki, da FGV e um dos organizadores do livro e Sergio Lazzarini, professor do Insper.
A quinta e última parte do livro, "Os Desafios da Gestão", aborda gestão de pessoas em empresas de impacto, bem como a temática da governança e estrutura jurídica-temáticas desafiadoras nestas empresas e, com certeza, ainda em construção.
Esta é composta de 2 capítulos: Capítulo 15-Negócios de impacto: reinventando a forma de gerir pessoas, cujos coautores são Graziella Comini, Rosa Maria Fischer, Mauro Romano, sócio da Geekie e Valentim Biazotti, fundador da Worth a Million; e Capítulo 16-Governança e estrutura jurídica para negócios de impacto, por Marcel Fukayama, do Sistema B e Flavia Regina de Souza Oliveira, da Mattos Filho.
Alguns destaques saltam aos nossos olhos, mas sem comprometer a leitura com spoilers, é de se ressaltar, na primeira parte, a percepção do quanto a estrutura movida pelo ICE em articulação com o ecossistema aumentou significativamente os atores que aportam capital nos negócios de impacto-em-bora ainda necessite crescer e há muito espaço para tal. Hoje temos no país Bancos Públicos, Organizações Públicas de Fomento à pesquisa e fundos de investimento de impacto, por exemplo, aportando capital em editais e parcerias criadas especificamente para este fim. Outro destaque é o mapeamento dos instrumentos financeiros para aportar recursos em NIS. Na parte 2 a trajetória individual da empreendedora social Ilaina Rabbat produz resultados e parâmetros a serem implementados em outras latitudes, um verdadeiro convite a empreender. Na parte 4 a exploração da inovação social em seu conceito, características e estágios, ajudam o leitor na compreensão da diferença entre esta e a inovação tradicional, trazendo, inclusive, várias experiências brasileiras. Com certeza há mais destaques em cada linha, em cada parágrafo saltando aos nossos olhos. E é certo também que o mercado é bastante dinâmico neste campo e as coisas mudam muito rapidamente, uma vez que são pautadas em inovações e impactadas pelo ambiente. A publicação não se furta a apontar os desafios -enormes!- que se tem pela frente. Por isso o convite à leitura e o subsídio desse material em aulas, reuniões e conversas para que essa tendência que por aqui chegou venha para ficar.
Por fim, é de se ressaltar também o que nos diz a jornalista Eliane Trindade, da Folha de São Paulo, que assina a orelha do livro, "Cotidianamente posso aprender com tantos dos coautores deste livro. Gente que pensa e difunde conhecimento, que faz, financia, mentoreia, acelera e pensa o campo. Estão aqui reunidas algumas das maiores referências nacionais de um movimento global que prega ser possível, sim, conciliar retorno financeiro e resolução de problemas socioambientais. Mensageiros da ideia de que mecanismos de mercado podem e devem servir a transformação da sociedade".