Entrevista

Estudios de la Gestión: revista internacional de administración, No. 7
(Enero-Junio de 2020), 309-319. ISSN: 2550-6641; e-ISSN: 2661-6531


“Uma Socioantropologia das Organizações”*


Entrevista com o Professor Pedro Jaime**




Caro Pedro Jaime, você conclui o curso de graduação em Administração pela Universidade Federal da Bahia em 1990. Como foi a sua formação nessa universidade? Naquela época havia na grade curricular do curso mais disciplinas das Ciências Sociais e Humanas do que é comum nos dias de hoje? Quais as consequências disso?

Primeiramente quero agradecer a você, estimada Mariana Bandeira, pela oportunidade que me dá, com essa entrevista, de conversar com colegas professores e estudantes das Ciências Sociais e da Administração de outros países da América Latina. Nós, brasileiros, talvez em razão das dimensões continentais do nosso país, ou então pelo fato de sermos uma exceção lusófona num “mar” de espanofônicos, experimentamos certo distanciamento da nossa Latinoamérica. Também em virtude da sua formação como colônia de Portugal e de certo neocolonialismo estado-unidense no mundo contemporâneo, a sociedade brasileira olha mais para a Europa e para os Estados Unidos do que para seus vizinhos sul americanos e mesmo para o sul global. Penso que se trata de um erro que precisamos corrigir. E esta entrevista me dá uma oportunidade pessoal de fazer algo nesse sentido. Do meu ponto de vista, isso não significa um fechamento para os ditos centros hegemônicos. Creio que podemos exercitar o cosmopolitismo, falar com o mundo, a partir da nossa ancoragem como brasileiros e latino-americanos. Mas devemos ampliar os espaços de diálogo e de pesquisa conjunta com nossos vizinhos.

Passemos então às tuas Preguntas. Conclui a graduação em Administração na Universidade Federal da Bahia (UFBA) no início dos anos 1990. Eu havia ingressado no curso de Administração de Empresas, que à época nesta universidade era separado da formação em Administração Pública. Houve então uma reforma curricular que unificou esses cursos; e como ela foi implementada quando eu já havia completado mais da metade das disciplinas necessárias para receber o diploma, poderia fazer a opção de ingressar no curriculum novo, ou me manter no antigo. O curso de Administração de Empresas era considerado mais prestigioso, porém considerei que a nova formação me daria uma visão de mundo e da dinâmica das organizações bem mais ampla. Com isso quero dizer, fazendo eco a tuas indagações, que me beneficiei de ter finalizado meus estudos de graduação num contexto histórico em que a formação em Administração dava mais ênfase aos saberes das Humanidades, tais como Filosofia, Ciência Política, Sociologia, Psicologia. E no meu caso em particular, incorporei disciplinas como Estado e Sociedade, Estrutura e Funções do Estado, Planejamento Governamental.

No tempo presente presenciamos uma redução significativa desses conteúdos na formação dos administradores. Há certo discurso de que se deve privilegiar uma formação prática, como se fosse possível dissociar a ação concreta nas organizações públicas e privadas de uma leitura acurada dos contextos socioeconômico, cultural e político; e fazer tábula rasa das complexidades do humano no mundo organizacional. As consequências disso são diversas. Dentre elas, por razões de espaço, destaco a crise ético-moral que vivemos atualmente, em cujo centro estão as relações inescrupulosas entre as empresas e o Estado. Essa crise toca diretamente na atuação profissional do administrador. Como podemos sair dela sem recorrer ao repertório conceitual, ao rigor analítico e à postura crítica que nos oferecem as Ciências Humanas?

Sua trajetória acadêmica tem sido marcada por uma abordagem sociológica e antropológica das organizações. Conte-nos como foi sua travessia entre distintas áreas do conhecimento. Quais foram as maiores dificuldades encontradas e as maiores aprendizagens retirados do percurso?

Deixe-me retomar brevemente alguns aspectos do meu itinerário biográfico para narrar como se deu essa travessia e em seguida tratar das dificuldades e aprendizagens. Eu iniciei o curso de graduação em Administração na UFBA em 1988, por razões que envolvem uma história familiar que não é o caso de retomar aqui. No começo do percurso me senti desestimulado, até que três eventos ocorridos nesta universidade fizeram com que me encontrasse. O primeiro evento foi o fato de ter cruzado em 1990 com o professor Maurício Serva, mestre nos Estudos Organizacionais e primeira referência de que a trajetória universitária era um caminho possível. Com ele iniciei-me na aventura antropológica, ao participar da pesquisa de campo que resultou em sua tese de doutorado defendida na Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas (EAESP-FGV) e que adotou a observação participante como abordagem metodológica. Abandonei então o emprego que tinha no departamento de Marketing de um grande banco nacional com sede na Bahia e me lancei na estrada acadêmica. Os laços de afeto que me ligam ao profesor Maurício, atualmente na Universidade Federal de Santa Catarina, são fortes até hoje. Como ele aprendi muito e sigo aprendendo bastante.

O segundo evento foi o encontro em 1992 com a professora Maria de Lourdes Siqueira, fundamental na minha passagem para a Antropologia, não só em razão das aulas que me dava em meio a caronas, quando me falava dos ensinamentos do seu mestre Maurice Godelier; mas também, e sobretudo, pelo deslocamento de certa posição de sujeito que me fez experimentar. A partir dela, e muitas vezes com ela, comecei a transitar em espaços negros da Bahia (terreiros de candomblé, blocos afros, grupos de capoeira angola), algo que naquela época não era evidente para alguém nascido numa família muito comum na classe média mestiça baiana: simultaneamente aberta à convivência interracial e portadora de preconceitos enraizados pela ideologia racista. Uma família que virava as costas para a presença africana na cidade, na casa, nos corpos dos seus membros. Com a querida Lourdinha aprendi mais que conceitos. Aprendi a ler o mundo social a partir dos detalhes e com a atenção voltada não apenas para o que se fala, mas igualmente para a sensibilidade dos gestos.

O terceiro foi o lançamento em 1993 da edição em português do livro L’individu dans les organisations: les dimensions oubliées. A leitura desta obra, dirigida pelo sociólogo francês Jean-François Chanlat e que reúne contribuições de pesquisadores francofônicos do campo das Ciências Humanas, deixou mais claro para mim um programa de estudos ao qual decidi me dedicar: a socioantropologia das organizações.

Tendo me formado no ano seguinte, prestei seleção para o mestrado em Antropologia Social na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde ingressei em 1995. Nesta universidade fiz meu primeiro treinamento antropológico formal no quadro do Grupo de Pesquisa em Culturas Empresariais coordenado pelo professor Guilhermo Ruben. O professor Ruben, com quem mantenho relação de amizade até hoje, foi muito generoso comigo. Percebendo que havia o risco de eu negar minhas origens na área Administração para me construí como antropólogo, até em razão de certos preconceitos que os cientistas sociais nutriam em relação aos estudantes de Administração, ele me disse certa vez algo como: Ninguém pode apagar a sua própria história. Ademais, sempre ressaltava que se a Antropologia estava em busca de compreender as dinâmicas empresariais, deveria levar a sério o conhecimento produzido pela especialidade que já vinha a um século se devotando ao estudo das organizações. Ele mesmo estava liderando um projeto de pesquisa sobre culturas empresariais financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e realizado em parceria com pesquisadores da EAESP-FGV. O projeto foi considerado pela fundação como uma das mais inovadoras iniciativas de investigação financiadas pela agência nos anos 1990. No seu transcurso vários colegas como Lea Carvalho, Alcides Gussi e Alícia Gonçalves fizeram seus mestrados ou doutorados com pesquisas conduzidas em empresas e me beneficiei muito da troca com eles.

Passaram-se 10 anos entre a conclusão do mestrado e o ingresso no doutorado. Nesse ínterim, tornei-me educador, lecionando Antropologia e Sociologia em cursos de Administração de Instituições de Ensino Superior. Em 2007 ingressei no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da USP. Com a orientação do professor Kabengele Munanga fui penetrando no vasto e complexo campo dos estudos de relações raciais ao passo em que empreendia uma investigação etnográfica sobre as trajetórias profissionais de executivos negros. O professor Kabengele é uma das principais referências no estudo das populações afro-brasileiras. Ele me ensinou muito, não só com palavras, mas, sobretudo, com seus atos. Em 2009 segui para um estágio doutoral na França, para escrever a tese em regime dito de co-tutela e dupla titulação com o Programa de Doutorado em Sociologia e Antropologia da Université Lumière Lyon 2. Lá trabaalhei sob a supervisão do professor Gilles Herreros. Ele é um importante especialista em Sociologia das Organizações. Segui também alguns seminários na École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris EHESS, em espacial o curso oferecido pelos professores Didier Fassin e Eric Fassin sobre a questão racial.

Claro que tudo isso foi compreendido retrospectivamente, afinal, como disse certa vez o filósofo Soren Kierkegaard: A vida precisa ser vivida mirando-se para frente, mas ela só pode ser compreendida quando olhamos para trás. As minhas dificuldades foram poucas, pois encontrei no caminho pessoas dispostas a me ajudar. Tento dar continuidade a essa postura generosa na relação que estabeleço com meus orientandos e alunos. Mas diria que a principal dificuldade tem a ver com o fato de ter construído uma identidade profissional numa fronteira interdisciplinar. Creio que aqueles que fazem percursos desse tipo podem viver experiências similares àquelas vividas por pessoas cujas subjetividades são tecidas entre culturas e que então constroem as chamadas identidades hifenizadas, isto é, identidades com hífem: afro-brasileiros, nipo-brasileiros, etc. O que quero dizer é que experencio, não sem angústias e prazeres, estranhamentos e reconhecimentos tanto na comunidade da Administração, quanto na das Ciênciais Sociais. Mas tenho aprendido a viver essas passagens e a não pensar as identidades profissionais de administrador e antropólogo ou sociólogo como mutuamente excludentes. Os aprendizados foram bem maiores. Eles dizem respeito aos métodos qualitativos de pesquisa, ao olhar acurado para as relações sociais, o simbólico e o contexto societal. E, sobretudo, para a necessidade de conjugar uma postura simultaneamente crítica e lúcida, portadora de esperanças quanto ao porvir.

Em sua atuação como investigador e docente, como o senhor caracterizaria sua pesquisa em relação à postura epistemológica e metodológica? Como se “encontrou” nessa línea?

A minha formação inicial na UFBA como o professor Maurício Serva ainda no final dos anos 1980 se fez dentro do que se costuma denominar de paradigma crítico. O professor Serva, de forma bastante fundamentada e recorrendo às Ciências Sociais, ampliava o horizonte mental dos alunos, indo muito além da abordagem positivista-funcionalista que era dominante na formação dos administradores. Baseado no trabalho de Jean-François Chanlat, ele ressaltava dois pontos cegos dessa abordagem hegemônica: uma visão a-histórica e uma perspectiva a-conflitual. Ou seja, chamava a nossa atenção para o fato de que o funcionalismo possuía limites importantes, pois visava compreender a dinâmica das organizações e as práticas de gestão sem levar em conta o contexto histórico-social e as relações de poder e conflito.

Com a minha formação em Antropologia, incorporei as ditas abordagens interpretativa e pós-moderna. Quando iniciei meu treinamento formal em Antropologia na Unicamp em 1995 o antropólogo estado-unidense CliffordGeertz era uma referência central. Ainda recordo quase textualmente uma advertência que ele faz em seu livro A interpretação das culturas: a Antropologia, diz ele, não é uma ciência experimental à procura de leis, mas uma ciência interpretativa em busca dos significados. Ele também dizia que as interpretações que os antropólogos constroem são de segunda mão. Isto porque, são os próprios atores sociais que constroem interpretações em primeira mão de suas próprias realidades. E igualmente que essas interpretações são tecidas lentamente por meio do trabalho de campo etnográfico, microscópico e de longa duração, considerado por ele com um movimento análogo à leitura de um manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos. Uma bela metáfora, não é mesmo?

Mas na época a abordagem interpretativa de Geertz foi também criticada pelos denominados antropólogos pós-modernos, dentre os quais estavam George Marcus, James Clifford, Renato Rosaldo, Paul Rabinow e Vincent Crapanzano. Essa corrente chamou a atenção, dentre otras coisas, para o caráter situado da a produção do conhecimento antropológico, para a necessidade de levar em conta o sistema econômico e político global no qual se inscrevem as realidades etnografadas, e para a abertura à experimentação textual, isto é, para as múltiplas posibilidades como os resultados das pesquisas antropológicas podem ser restituídos na escrita por meio de artigos ou livros. Tudo isso foi muito marcante para mim.

Atualmente, tanto em razão da minha passagem pela França nos anos de 2009 e 2010, quanto de aprendizagens renovadas com o professor Maurício Serva, tenho me interessado pela virada pragmatista que tem se operado nas ciências sociais, especialmente na França, desde os anos 1990. Trata-se de buscar referencias no pragmatismo filosófico, na atenção à ação, às práticas sociais dos atores. Levar à sério as formas como os sujeitos agem no mundo, evitando um olhar hipercítico, próprio do pesquisador que supostamente sabe mais do que os agentes e que os mira do alto. Tal postura só renova meu engajamento com as metodologias qualitativas, a etnografia, a entrevista em profundidade, a história de vida. Isto porque para compreender o que fazem os atores é importante chegar o mais perto possível deles, conversar com eles e acompanhar suas ações. Por razões que explicitei no início da nossa conversa, tenho estado interesado também na abordagem de-colonial, nas epistemologias gestadas no e para o sul global.

Quem são os autores que, direta ou indiretamente, marcaram sua formação e nos quais o senhor encontrou inspiração para construir sua maneira de pesquisar o mundo organizacional? Quais outros intelectuais, de diferentes campos do saber, o senhor reconhece como tendo uma influência importante na sua postura de pesquisador?

Divido a resposta da seguinte forma: aqueles que mais diretamente marcaram minha formação, pois foram meus orientadores ou professores; e os com quem encontrei por meio de leituras. Quanto aos primeiros, já citei seus nomes: Maurício Serva, Maria de Lourdes Siqueira, Guilhermo Ruben, Kabengele Munanga, Gilles Herreros, Eric Fassin, Didier Fassin. Nesse caso não distinguiria o campo disciplinar, uma vez que minha trajetória tem sido construída no trânsito entre a Administração e as Ciências Sociais. Acrescentaria também que além desses, muitos outros professores e professoras contribuíram para minha formação nessas áreas do saber. Sou devedor de todos eles.

No que se refere às leituras, ressalto autores como Clifford Geertz e os ditos antropólogos pós-modernos, mas antes deles Malinowski, considerado o pai da moderna etnografia, e depois deles Stuart Hall, intelectual caribenho radicado na Inglaterra e representante do campo dos Estudos Culturais, que empreendeu importantes reflexões sobre a produção das identidades, a diáspora e o racismo. Também antropólogos como Ulf Hannerz e Arjum Appadurai, que tematizaram a questão transnacional. No âmbito da Sociologia me influenciaram autores diversos como Anthony Giddens e sua preocupação de articular as estruturas sociais e a capacidade de agência dos sujeitos, Alain Touraine e sua ênfase na análise da ação, Pierre Bourdieu e seu empenho em desnaturalizar as desigualdades, Vincent de Gaulejac e sua sociologia clínica atenta aos processos que levam os indivíduos a se construírem como sujeitos, refletindo sobre as estruturas sociais e psíquicas que os constituíram. No âmbito brasileiro me sinto especialmente influenciado por Florestan Fernandes e Guerreiro Ramos. No caso desse último, tanto sua obra vinculada à ciência das organizações, quanto àquela devotada à questão racial. Tento fazer uma síntese própria de todas essas influências, ao mesmo tempo em que sigo aberto a novas referências que fertilizem o meu pensar e o meu pesquisar sobre as organizações. Quanto a isso destaco o pragmatismo presente nas obras de Bruno Latour, Luc Boltanski e outros cientistas sociais franceses.

Sua tese de doutorado defendida em 2011 recebeu prêmios importantes, como o Tese Destaque da USP, em 2013; e após sua publicação como livro em 2016 o Prêmio Jabuti na Categoria Economia, Administração e Negócios; e o Prêmio ABEU (Associação Brasileira das Editoras Universitárias), na categoria Ciências Humanas, ambos em 2017. É um trabalho etnográfico com uma análise profunda e rigorosa metodologicamente. Que orientações sobre o rigor científico poderia dar aos pesquisadores que escolham a abordagem qualitativa no campo da Administração ou dos Estudos Organizacionais?

Diria em primeiro lugar que é preciso levar a sério aquela advertência feita pelo antropólogo Clifford Geertz de que o trabalho qualitativo é lento, de longo prazo, e deve ser feito com a cautela análoga à leitura de um velho manuscrito. Ou seja, é preciso paciência para não construir análises apressadas. Deve-se também tomar a sério as razões que levam os sujeitos a pensar como pensam, a sentir o que sentem e a agir como agem. Dar conta honestamente da inteligência e da reflexividade dos atores, como me disse certa vez Didier Fassin numa entrevista que tive a ocasião de fazer com ele.

Isso não quer dizer que seja necessário abrir mão da crítica, que, penso, é fundamental na pesquisa em Ciências Sociais e nos Estudos Organizacionais. Significa que deve-se começar entendendo os sujeitos e seus contextos e só então produzir a crítica num contínuo diálogo com eles. A questão dos contextos é fundamental. Quanto a isso é preciso exercitar o que o historiador Jacques Revel chamou de jogos de escalas, isto é, compreender simultaneamente, em suas complexas imbricações, os níveis macro, que diz respeito ao panorama societal; meso, relativo às dinâmicas organizacionais e às práticas de gestão; e micro, referente as trajetórias e ações dos sujeitos. Creio que essas são algunas pistas para aqueles que desejam conferir um rigor à abordagem qualitativa na investigação em Administração e nos Estudos Organizacionais.

Em sua experiência como acadêmico que participa em congressos, bancas de defesas de dissertação e teses, e como avaliador de periódicos importantes, poderia dizer que o paradigma positivista e funcionalista ainda é dominante no campo da administração?

Essa Pregunta exige uma resposta que dê conta de ambivalências. Por um lado, considero que o campo da Administração é hoje bem mais diversos em termos de abordagens epistemológicas do que já foi no passado, até os anos 1990, digamos. Nesse sentido, diria que o paradigma positivista e funcionalista convive na atualidade com perspectivas interpretativistas, críticas, pós-modernas. Abordagens feministas, pragmatistas, de-colonias, assim como o realismo crítico têm ganhado um espaço crescente. Em poucas palavras, a pesquisa em Administração, e especialmente aquela feita no âmbito dos Estudos Organizacionais, é bem mais complexa nos dias de hoje.

Por outro lado, penso que essa diversidade epistemológica no fazer dessa comunidade científica não se revela na mesma proporção nas publicações do campo, sobretudo nas revistas consideradas mais prestigiosas. Creio que essas priorizam artigos escritos dentro de uma estrutura positivista. Elas mimetizam o tipo de narrativa científica própria das Ciências Médicas, em que os artigos são organizados em tornos de tópicos como delimitação do tema, revisão de literatura, metodologia, resultados, discussão e conclusões. Ademais, a estratégia narrativa faz uso geralmente da terceira pessoa do singular, que remete a uma suposta impessoalidade do pesquisador, uma neutralidade axiológica. Vale dizer, um pesquisador desencarnado, sem localizações sociais de raça-etnia, gênero, sexualidade, origem de classe. Para quem fez boa parte da sua formação no campo da Antropologia, como é meu caso, isso traz inquietações. Isto porque essa área do saber não apenas aceita a escrita em primeira pessoa do singular, por acreditar que o pesquisador constrói uma leitura sempre situada dos fenômenos sociais. Ela valoriza a experimentação textual, visto que desde a sua origem ainda em fins do século XIX esteve a meio caminho entre as Ciências Naturais e a Literatura, as Artes. E, como sabemos, não há uma única forma de contar uma história num romance, ou em um filme. A Literatura e o Cinema são formas de falar das questões sociais marcadas por ampla experimentação. Tudo isso remete às angústias que o trânsito nessa fronteira interdisciplinar acarreta, conforme apontei anteriormente.

Você tem sido chamado para dar palestras, cursos e conferências em empresas, o que evidencia que a academia pode dialogar de forma mais próxima com a sociedade. Que conselhos daria aos acadêmicos para que possam fortalecer a capacidade de influência dos seus trabalhos no entorno social? O que precisa mudar na academia para que essa relação seja mais harmônica e recíproca?

Eu faria duas torções, digamos assim, neste seu questionamento. Em primeiro lugar eu ampliaria os interlocutores na sociedade com os quais penso que os pesquisadores devem buscar estreitar o diálogo. Nesse sentido, faço referência à participação do cientista social no debate público. No caso dos Estudos Organizacionais, ressalto que as empresas e outros arranjos organizacionais são agentes centrais no mundo contemporâneo. Elas estão no epicentro de controvérsias em torno de questões relativas à sustentabilidade, diversidade, inovação, desenvolvimento social, sofrimento no trabalho, etc. São certamente parte de diversos problemas sociais, mas simultaneamente não podem estar de fora de possíveis soluções. Nesse sentido, os profissionais que estudam a realidade organizacional e suas conexões com a sociedade e os indivíduos têm algo a dizer.

Participar do debate público é aceitar dialogar com os diversos agentes sociais, de empresas a sindicatos, passando por ONGs e movimentos sociais. É também escrever textos para a mídia, ou responder a demandas desta, procurando exercitar aquilo que, penso, sabemos fazer bem: complexificar a explicação dos fenômenos sociais e organizacionais. Aqui entra a segunda torção que faço na sua Pregunta. Não creio que a relação entre pesquisadores e diversos agentes sociais possa ser, ou mesmo deva ser, harmônica. É saudável que existam tensões nessa relação, mas elas não precisam inviabilizar o diálogo e a troca.

Desde a publicação do livro Executivos negros: racismo e diversidade no mundo empresarial e depois do Sociologia das Organizações: conceitos, relatos e casos tenho estado mais atento a esse imperativo, seja respondendo a solicitações de empresas, ONGs e sindicatos para falar sobre minhas pesquisas, seja estabelecendo conexões com veículos mediáticos para contribuir com o debate público de maneira difusa. Penso que todos nós devemos ter em mente que essa é uma dimensão do nosso trabalho como cientistas sociais.

Falando a parir da sociedade brasileira, diria que a regulação da atividade científica vinha privilegiando nos últimos anos a publicação de artigos científicos, sobretudo nas revistas ditas de alto impacto, mesmo se muitas vezes esse impacto se restringe ao alcance de pares. Ademais, nem sempre aquilo que é publicado nesses periódicos tem relevância social. Por vezes ocorre de o rigor metodológico suplantar a relevância como critério de avaliação dos manuscritos submetidos à apreciação. Não nego a importância nem do rigor metodológico, nem da conversação no interior da comunidade científica. São fundamentais para o avanço na produção do conhecimento. Mas é necessário também que esse conhecimento seja restituído à sociedade, até porque a pesquisa científica se faz também como recursos públicos. Felizmente a regulação em curso no Brasil tem dado sinais claros de que passará a avaliar também o impacto social do conhecimento produzido pelos cientistas e a contribuição das instituições de ensino e pesquisa para o desenvolvimento regional.




Notas


* Entrevista realizada y sistematizada el 11 de noviembre de 2019 por Mariana Lima Bandeira, economista, docente-investigadora del Área de Gestión de la Universidad Andina Simón Bolívar, Sede Ecuador.

** Doctor en Antropología Social (USP, Brasil) y en Sociología y Antropología (Université Lumière Lyon 2), es actualmente profesor del Programa de Posgrado en Administración del Centro Universitario FEI (São Paulo / Brasil), línea de investigación: abordaje socioantropológico de las organizaciones, con énfasis en cuestiones de diversidad en el mundo empresarial (raza-etnia, género, sexualidad e interculturalidad) y en situaciones de sufrimiento en el trabajo y las capacidades de acción individual y colectiva de los sujetos frente a ellas. (pedrojaime@fei.edu.br).

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